´O meu mandato é um mandato ideológico que ultrapassou os muros da escola´

Enilda Mendonça
Maurício Maron

Candidata a vereadora pela primeira vez em 2016, a professora e sindicalista Enilda Mendonça, perdeu o pleito por apenas três votos. Quatro anos depois, agora em 2020, tornou-se a vereadora mais bem votada na história política de Ilhéus, posição que pertencia à sua cunhada, a ex-vereadora Carmelita Ângelo. Filiada ao Partido dos Trabalhadores, Professora Enilda tem 53 anos e uma reconhecida luta no movimento sindical.

Professora de Língua Portuguesa por mais de 30 anos, Enilda também militou como dirigente da Associação dos Professores Profissionais de Ilhéus (APPI). Foi presidente da entidade por dois mandatos e, além de defender os interesses da categoria, teve uma gestão marcada pela construção da sede própria da APPI, no bairro do Malhado.

Há mais de um ano, a líder sindical ampliou suas ações, ao abraçar a causa dos servidores públicos afastados pelo prefeito Mário Alexandre. Durante esta luta não se limitou a ajudar aos trabalhadores da Educação atingidos pela dura medida do prefeito. Abraçou a causa de todos os servidores, lutando, inclusive, pela segurança alimentar de centenas de famílias.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao editor do Jornal Bahia Online, Maurício Maron, a professora fala da expectativa da sua atuação no parlamento, faz uma autocrítica do seu partido nas urnas e se posiciona como oposição ao prefeito Mário Alexandre. Mas sem radicalismo. A entrevista é esclarecedora.

Veja a seguir.

 

Qual a expectativa para o seu primeiro mandato?

Há uma expectativa muito grande que as pessoas colocam sobre os nossos ombros, que me deixa numa situação de dizer: a gente não pode errar. Tem que errar o mínimo, por que errar todo mundo erra. A expectativa é muito alta e algumas pessoas têm essa expectativa, como se estivéssemos sido eleitos para um mandato do Executivo e não do Legislativo...

... onde a ação é muito mais coletiva que individual...

... então. A primeira atitude que já tomei foi criar um Conselho Político. Com ele formado eu vou estar sempre discutindo coletivamente.

Quando eu chamo de mandato coletivo, eu falo do ponto de vista de não ser uma decisão pautada apenas na vereadora. A vereadora serei eu. Do ponto de vista de princípios, de ética e tal... é meu direcionamento. O que chamo de Mandato Coletivo é debater os temas e saber o que é que é melhor para a coletividade. Pra que a gente erre menos.

O seu mandato é um Mandato Coletivo (Enquanto em um mandato tradicional o legislador tem a liberdade de votar de acordo com seus interesses e consciência, no mandato coletivo o legislador consulta as pessoas antes de definir seu posicionamento frente a matérias legislativas. Assim, a vontade das pessoas determina o posicionamento e voto do legislador)?

O meu mandato é. Quando eu disse que a vitória não é minha, é de um coletivo, é por que é um fato. Então meu mandato será coletivo. Eu terei – e já tenho um grupo montado – do Conselho Político, onde nós vamos discutir, alinhar, qual deve ser o meu posicionamento sobre os temas, principalmente, aqueles mais polêmicos. Eu compreendo que lá eu não posso representar Enilda, o que Enilda quer e o que Enilda pensa. Lá eu tenho que representar o coletivo. Então nesse meu Conselho Político tem desde desempregados a lideranças sindicais e, conjuntamente, a gente vai discutindo qual vai ser o meu posicionamento no exercício da vereança.

Você foi eleita por um segmento, o de professores e trabalhadores em educação. Mas, a partir do momento em que você é eleita, você passa a ser a vereadora de uma cidade inteira. Como você pretende lidar com isso. Um mandato coletivo atenderá aos interesses do grupo que te apoia e não os problemas de toda uma cidade. Como será ter um mandato com discussões mais amplas?

Os trabalhadores  em educação têm uma expectativa muito grande no nosso mandato, como um mandato representante da categoria. E, de fato, isso é a real. Mas eu não fui eleita somente pelos trabalhadores em educação. Eu tive voto de muitos segmentos, de pessoas que nunca me viram mas que me acompanhavam nas redes sociais e entraram em contato comigo para dizer: quero declarar meu voto a você. Li sobre você e gostei. Portanto, a minha eleição ultrapassou o muro da escola, não ficou restrita aos trabalhadores em educação. Tenho a felicidade de ter tido voto em praticamente todas as urnas da cidade.

Em Ilhéus, o PT em nenhum momento esteve na base aliada do prefeito. Se algum militante, individualmente, apoiou, é uma outra história. Mas o partido, não!

E o que isso passa a representar pro seu futuro mandato?

Uma responsabilidade muito grande. Da outra vez, meus votos também foram pulverizados. Dessa vez, além de repetir a pulverização, houve o aumento significativo em algumas localidades no número de votos. Inema é um exemplo. Eu tive mais de 60 votos lá. Isso é surpreendente. Por que em Inema, os trabalhadores se uniram e fizeram minha campanha com a comunidade local. Isso é um presente muito grande. Acho que posso afirmar: o meu mandato é um mandato ideológico. Por que as pessoas votaram  em mim por acreditar, confiar, por achar que é possível mudar a realidade, fazer diferente e ter a representação da mulher. E esses pensamentos representam ideologicamente um voto. Eu penso assim: 1.480 pessoas numa fila. Eu tento imaginar isso por que alguns podem achar pouco voto. Então pense numa fila de 1.480 pessoas que saíram de casa por acreditar numa proposta e com voto definido nas eleições. Me sinto privilegiada, mas me alerta para a responsabilidade que passo a ter perante a sociedade. Mas não serei vereadora para 1.480 pessoas. Por que no processo democrático é assim: você precisa do voto, mas na hora que você está eleito você passa a representar a cidade. O meu mandato será um mandato de portas abertas para fazer o debate coletivo.

Você como liderança sindical sempre foi muito forte nas ruas, nos protestos. Agora você passa a estar de um outro lado. Na tribuna da Câmara. O que muda?

Eu pertenço a este movimento. Continuo a pertencer. Não muda nada. Eu não estou me afastando da direção da APPI. Continuo fazendo parte da direção, fazendo o meu trabalho como dirigente sindical. O que muda é que estas categorias ganharam uma representação, por que vou estar à disposição desse debate do servidor público. A luta dos afastados ganha, também, um reforço. Por que agora não somos nós sozinhos. Tem um mandato que quando sentar à mesa vai sentar para buscar alternativas. Seja qual for o servidor, tenha votado ou não em mim, saiba que na hora necessária do debate eu estarei representando e presente. Meu mandato estará à disposição de todos os sindicatos de Ilhéus.

A campanha registrou dois caminhos para o desfecho do afastamento dos servidores públicos. Até candidato assegurando o retorno dos afastados, caso fosse eleito. Mas venceu exatamente quem os afastou. A questão jurídica, portanto, se sobrepõe à possibilidade política. Ficou mais difícil de resolver esse impasse?

Sou uma pessoa muito crente no diálogo. A gente não pode sair da mesa do diálogo. Claro: a gente tem o debate jurídico disso. Mas a gente não vai abrir mão do debate político, que precisa continuar. Vamos continuar insistindo com o gestor municipal de que é preciso resolver o problema destes trabalhadores. Que eles não podem ser punidos por que eles estão no purgatório: nem no céu, nem no inferno. Ficaram com a vida parada, travada, sem conseguir resolver. Pelo tempo de serviço prestado ao município, o mínimo que o município pode fazer por eles é dar um processo de acesso à aposentadoria com dignidade. É o que eles perderam. Quero acreditar que a gestão, chegando a um novo mandato, espero que se apresente com um novo ânimo e que haja alteração deste ponto de vista e a gente possa negociar alternativas para estes trabalhadores.

O estado ajudou demais o governo municipal. Então é preciso que o prefeito entenda o que o levou à vitória e que faça jus a esse presente de reeleição que a urna lhe deu.

Você se posiciona como oposição ao governo municipal?

Fui eleita na oposição, é aí que vou estar e esse é meu lugar como vereadora. Da mesma forma, quem me conhece, sabe que eu sempre fui uma pessoa propositiva. Então não serei oposição por ser oposição. Qualquer situação em benefício da cidade, sentarei e o governo vai poder contar comigo para fazer o debate, discutir e contribuir. As pessoas precisam entender a importância do Legislativo. Um prefeito pode muita coisa. Mas ele não pode alterar sem o consentimento do Legislativo. Acho que é prejuízo para a cidade quem é da base de apoio que diz amém a tudo, assim como quem é da oposição e diz não à tudo.

Você ainda vive uma espécie de lua-de-mel. Eleita mas não empossada ainda. Mas vai chegar o momento que você deixa de ser apenas a vereadora eleita Enilda Mendonça para ser mais uma protagonista da Câmara. Uma Casa extremamente desgastada junto à população. Qual sua expectativa quanto a isso?

Esse é o grande desafio. E não é só pra mim. Será para os 21. Precisamos resgatar a dignidade do Poder Legislativo. E não falo só de Ilhéus. É uma questão nacional. Vejo pessoas dizendo que a cidade não precisa, que pode fechar as Câmaras. Isso, na minha opinião, acontece, por que as pessoas não entendem o papel de legislar...

Nas principais cidades, junto com a base aliada do governo do estado mais forte, a gente perdeu e isso vai ser um prejuízo que o governador vai ter que se reorganizar para o pleito de 2022. Mas, assim. A gente não perdeu. A gente não tinha. Na maioria das cidades a gente não administrava. Então a gente não perdeu, né?

... e o parlamentar? Ele compreende o papel dele também?

... exato. É esse debate que precisa ser feito. Por que na hora que o parlamentar vai na rua tapar um buraco e fazer a foto disso ele não está fazendo o papel de parlamentar. O papel é fazer o requerimento para que o buraco seja tapado, é colocar no orçamento para dizer de onde pode sair esse dinheiro. Esse, sim, é o papel. Claro que não me custa tirar um dinheiro do meu bolso pra fazer isso. Mas o debate não é esse. O debate é: o que você está ensinando? O que é pedagógico nisso tudo? Tá errado: por que esse não é o papel do vereador. Por que na hora que resgata esse valor do legislativo, resgata pra todo mundo. Acho que esse será o interesse de todos os vereadores.

Você foi eleita pelo PT. Um partido forte na Bahia nos últimos anos mas que, nesta eleição, foi derrotado nos principais colégios eleitorais do estado. Que leitura você faz disso?

Se a gente for analisar nacionalmente, acho que o PT saiu fortalecido. Melhor: acho que a esquerda saiu fortalecida. Nós aprendemos muito. Conseguimos fazer unidade em diversos lugares do País todo. Recife, São Paulo... temos alguns exemplos de campanha unificada nacional. A gente está na Bahia pedindo voto para que está noutro estado. Então foi muito legal isso. O Partido dos Trabalhadores, se você fizer o cômputo de votos, ele teve mais votos agora que em 2016. Então do ponto de vista de densidade eleitoral, ele não perdeu. Agora, nas principais cidades, junto com a base aliada do governo do estado mais forte, a gente perdeu e isso vai ser um prejuízo que o governador vai ter que se reorganizar para o pleito de 2022. Mas, assim. a gente não perdeu. A gente não tinha. Na maioria das cidades a gente não administrava. Então a gente não perdeu, né?

O papel (do vereador) é fazer o requerimento para que o buraco seja tapado, é colocar no orçamento para dizer de onde pode sair esse dinheiro. Esse, sim, é o papel. Claro que não me custa tirar um dinheiro do meu bolso pra fazer isso. Mas o debate não é esse. O debate é: o que você está ensinando? O que é pedagógico nisso tudo? Tá errado: por que esse não é o papel do vereador.

Eleição é para conquistar poder.

Claro, claro. Mas é diferente você ter e perder, do que você brigar, chegar até no segundo turno.

Falando em segundo turno, bom lembrar que cidades que vinham administradas há mais de uma década pelo PT, vocês perderam a eleição. Vitória da Conquista, é um exemplo claro disso.

E aí tem que se ter a humildade de fazer a leitura das urnas. É a mesma coisa aqui. A gente disputou a eleição em Ilhéus e as urnas deram a leitura. Então quem faz a avaliação é o povo na hora do voto. É preciso fazer a leitura das urnas para entender o que é que aconteceu de fato. O governador Rui Costa tem sido um excelente administrador. Nós temos críticas a ele enquanto sindicato como patrão. Mas falo do geral. Veja a região, a quantidade de obras que tem aqui. É indiscutível isso.

E que leitura você faz da eleição em Ilhéus, espeficiamente.

Bom, o povo é soberano e o povo fez a avaliação. Me perguntaram recentemente: como é que você avalia o resultado do atual prefeito? Ora, quem tem que avaliar é o povo no voto e avaliou muito bem, analisando a vitória que ele teve e que espero que ele valorize. É óbvio que foi possível ele ter esse resultado a partir das obras que o governo do estado trouxe. O estado ajudou demais o governo municipal. Então é preciso que o prefeito entenda o que o levou à vitória e que faça jus a esse presente de reeleição que a urna lhe deu.

Acho que é prejuízo para a cidade quem é da base de apoio que diz amém a tudo, assim como quem é da oposição e diz não à tudo.

Você disse há pouco que foi eleita pela oposição. Mas o seu partido, o PT, é da base política do prefeito reeleito, Mário Alexandre...

... não, o PT não é da base aliada do prefeito. O PT de Ilhéus teve uma candidatura, esteve na coligação da candidatura do empresário Cacá Colchões. Então o PT não esteve em nenhum momento na base do governo Mário. Se você falar PT e PSD à nível estadual, que é a base do governo do estado, é uma outra história. Mas, em Ilhéus, o PT em nenhum momento esteve na base aliada do prefeito. Se algum militante, individualmente, apoiou, é uma outra história. Mas o partido, não!

Voltando à ideia do seu Conselho Político, como ele será formado?

Na nossa candidatura, nós tivemos uma coordenação de campanha, um grupo grande que discutiu os princípios e eixos da campanha. Criamos afinidade com esse grupo e agora ele foi modificado da condição de coordenação da campanha para Conselho Político. A gente está agregando pessoas novas dispostas a contribuir. É um trabalho voluntário, formado por pessoas que querem que o mandato dê certo. A gente vai estar fazendo reuniões de planejamento para pensar coletivamente as posições da vereadora. Pra mim não é algo tão difícil de execução, porque já estou acostumada com decisões coletivas do movimento sindical.

Vamos continuar insistindo com o gestor municipal de que é preciso resolver o problema destes trabalhadores. Que eles não podem ser punidos por que eles estão no purgatório: nem no céu, nem no inferno. Ficaram com a vida parada, travada, sem conseguir resolver. Pelo tempo de serviço prestado ao município, o mínimo que o município pode fazer por eles é dar um processo de acesso à aposentadoria com dignidade.

Essa nova ideia de Mandato Coletivo ainda está muito incipiente e levanta debates como, por exemplo, o fato de ter muita gente mandando para uma pessoa decidir...

... quando eu chamo de mandato coletivo, eu falo do ponto de vista de não ser uma decisão pautada apenas na vereadora. A vereadora serei eu. Do ponto de vista de princípios, de ética e tal... é meu direcionamento. O que chamo de Mandato Coletivo é debater os temas e saber o que é que é melhor para a coletividade. Pra que a gente erre menos. Temos já mais de 20 pessoas dispostas a fazer esse trabalho. Quando chamo de coletivo me refiro à capacidade de decisão, dos debates e não ser eu a dizer, olha eu penso que é isso e vai ser isso. Não! 

E como vai ser o exercício disso. Terão reuniões?

Isso também será pensado coletivamente. Faremos uma reunião para decidir como vai funcionar. Vamos planejar o mandato. A gente ainda não decidiu se será mensal ou bimensal, nós teremos reuniões de avaliação dos erros e acertos. Isso é algo que vamos aprender fazendo e torço muito para que dê certo.

Agora não somos nós sozinhos. Tem um mandato que quando sentar à mesa vai sentar para buscar alternativas. Seja qual for o servidor, tenha votado ou não em mim, saiba que na hora necessária do debate eu estarei representando e presente. Meu mandato estará à disposição de todos os sindicatos de Ilhéus.

E se houver discordância da sua parte para as decisões propostas pelo coletivo?

Do ponto de vista de princípios éticos e morais, prevalecerá o que eu sempre acredito, certo? Mas eu acredito que a decisão de um coletivo será sempre melhor que a decisão do individual. E eu sou boa de cumprir a decisão do coletivo. Então, assim, se entendo que uma mesa é branca e o coletivo enxerga ela rosinha e a decisão é de que ela seja rosinha, eu direi: bom, então, é rosa. Vou acatar a decisão do coletivo. Isso não resta a menor dúvida. Eu não domino tudo. Quero ouvir a opinião das pessoas. Como diz a palavra, conselho é para aconselhar. E a gente vai saber discutir e chegar a um consenso sem animosidade. A ideia do grupo é essa.

E sobre a formação da nova mesa diretora da Câmara. Como estão as conversas?

A gente está ouvindo e vendo nas redes sociais algumas movimentações.; mas eu, particularmente, não conversei com ninguém sobre a composição. Não sou candidata, nem tenho interesse em compor a Mesa Diretora.  Estou chegando agora e tenho um foco muito centrado em fazer um mandato de vereadora e, para isso, preciso estar com um olhar em exercer o meu mandato. É isso que eu quero.